terça-feira, 29 de junho de 2010

O homem europeu e a destruição das nações (elogio aos judeus)


O homem europeu e a destruição das nações (elogio aos judeus) - O comércio e a indústria, a circulação de livros e cartas, a posse comum de toda a cultura superior, a rápida mudança de lar e de região, a atual vida nômade dos que não possuem terra - essas circunstâncias trazem necessariamente um enfraquecimento e por fim uma destruição das nações, ao menos das européias: de modo que a partir delas, em conseqüência de contínuos cruzamentos, deve surgir uma raça mista, a do homem europeu. Hoje em dia o isolamento das nações trabalha contra esse objetivo, de modo consciente ou inconsciente, através da geração de hostilidades nacionais, mas a mistura avança lentamente, apesar dessas momentâneas correntes contrárias: esse nacionalismo artificial é, aliás, tão perigoso como era o catolicismo artificial, pois é na essência um estado de emergência e de sítio que alguns poucos impõem a muitos, e que requer astúcia, mentira e força para manter-se respeitável. Não é o interesse de muitos (dos povos), como se diz, mas sobretudo o interesse de algumas dinastias reinantes, e depois de determinadas classes do comércio e da sociedade, o que impele a esse nacionalismo; uma vez que se tenha reconhecido isto, não é preciso ter medo de proclamar-se um bom europeu e trabalhar ativamente pela fusão das nações: no que os alemães, graças à sua antiga e comprovada qualidade de intérpretes e mediadores dos povos, serão capazes de colaborar. - Diga-se de passagem que o problema dos judeus existe apenas no interior dos Estados nacionais, na medida em que neles a sua energia e superior inteligência, o seu capital de espírito e de vontade, acumulado de geração em geração em prolongada escola de sofrimento, devem preponderar numa escala que desperta inveja e ódio, de modo que em quase todas as nações de hoje - e tanto mais quanto mais nacionalista é a pose que adotam - aumenta a grosseria literária de conduzir os judeus ao matadouro, como bodes expiatórios de todos os males públicos e particulares. Quando a questão não for mais conservar as nações, mas criar uma raça européia mista que seja a mais vigorosa possível, o judeu será um ingrediente tão útil e desejável quanto qualquer outro vestígio nacional. Características desagradáveis, e mesmo perigosas, toda nação, todo indivíduo tem: é cruel exigir que o judeu constitua exceção. Nele essas características podem até ser particularmente perigosas e assustadoras; e talvez o jovem especulador da Bolsa judeu seja a invenção mais repugnante da espécie humana. Apesar disso gostaria de saber o quanto, num balanço geral, devemos relevar num povo que, não sem a culpa de todos nós, teve a mais sofrida história entre todos os povos, e ao qual devemos o mais nobre dos homens (Cristo), o mais puro dos sábios (Spinoza), o mais poderoso dos livros e a lei moral mais eficaz do mundo. E além disso: nos tempos mais sombrios da Idade Média, quando as nuvens asiáticas pesavam sobre a Europa, foram os livres pensadores, eruditos e médicos judeus que, nas mais duras condições pessoais, mantiveram firme a bandeira das Luzes e da independência intelectual, defendendo a Europa contra a Ásia; tampouco se deve menos aos seus esforços o fato de finalmente vir a triunfar uma explicação do mundo mais natural, mais conforme à razão e certamente não mítica, e de o anel da cultura que hoje nos liga às luzes da Antigüidade greco-romana não ter se rompido. Se o cristianismo tudo fez para orientalizar o Ocidente, o judaísmo contribuiu de modo essencial para ocidentalizá-lo de novo: o que, num determinado sentido, significa fazer da missão e da história da Europa uma continuação da grega. (Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano", Cia de Letras, p. 257-258, Aforismo 475, ano 2001, São Paulo)

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