"De vez em quando a eternidade sai do teu interior e a
contingência substitui-a com o seu pânico. São os amigos e conhecidos que vão
desaparecendo e deixam um vazio irrespirável. Não é a sua 'falta' que falta, é
o desmentido de que tu não morres." Virgílio Ferreira.
Atravessamos a rua, a noite chegou. O barulho é menor. Menos
estridente, mais surdo. As lâmpadas avermelhadas se acendem. Na rua a multidão
movimenta-se em todas as direções, lenta ou rápida, abrindo caminho, sarnenta
como cães abandonados, cega como mendigos. Caminham todos juntos sem jamais
demonstrar impaciência, aquele modo de estar só no meio da multidão, sem
alegria, pode-se dizer, sem tristeza, sem curiosidade, caminhando sem parecer
ir a lugar algum, sem intenção de ir, mas apenas avançando, mudando de lugar,
isolados e no meio do povo, jamais sozinhos de verdade, sempre sozinhos no meio
da multidão.
_Ei amigo, levante-se! O funeral está passando... É preciso
saudar aquele que se vai. É preciso honrar aquele que venceu essa nossa existência
vestal.
_Por que partiu tão cedo?
Aquele amigo tirou o chapéu e esperou por minha resposta:
_Há pessoas que vivem com tanta intensidade, com tanta
sinceridade, que esgotam a sua vida não sendo mais necessária a sua permanência
entre os que aqui habitam. ”Os bons morrem jovens assim parece ser, quando me
lembro dele que acabou indo embora, cedo demais. Dias assim, dias de chuva, dia
de sol e o que sinto não sei dizer, vai com os anjos, vai em paz”.
O Funeral estava passando, em uma noite de chuva, todos
seguiam , seguiam os passos daquele que descansava em seu leito de morte. Ali
se esgotava a sua vida, mas não esgotava a sua história; ela está escrita na
mente de todos aqueles que compartilharam momentos inesquecíveis.
_Lembra quando ele pensou que tudo era para sempre? Mas o para
sempre, sempre acaba... Ele esta indo de volta para casa.
_Ele estava cantando, sorrindo, e brincando , como sempre
fazia, alegrando a todos em sua volta quando disse que tudo era para sempre.
Mas ele estava cansado, ele esta indo para casa. – respondi a aquele velho
companheiro.
Uma lágrima escorreu pelo seu rosto e subitamente disse:
_Todas essas lágrimas que caem são para lavar a sua alma de
todos os erros cometidos, de todos os sonhos não realizados, são a última demonstração
de carinho daqueles que o amam. Depois restarão apenas as lembranças, e elas se
eternizarão no espectro de nossa existência.
O Funeral estava passando, em uma noite de chuva, todos
seguiam , seguiam os passos daquele que descansava em seu leito de morte. Ali
se esgotava a sua vida, mas não esgotava a sua história; ela está escrita na
mente de todos aqueles que compartilharam momentos inesquecíveis.
_Um dia sentado ao meu lado ele disse ‘vamos rir da vida,
vamos rir da morte, vamos além; não importa se um dia eu estarei velho, rico ou
pobre, o que importa é que eu vivi intensamente todos os momentos, sonhei e
nunca deixei de sonhar. Um dia meu filho olhará a sua foto e me perguntará quem
é você , e eu direi: era um amigo, que como eu, sempre embarcou em uma jornada
de sonhos e conhecimentos. ’
Disse aquelas palavras vendo aquele momento repetir-se,
aquela ilusão de que ele estava ali. Breve ilusão porque ele estava ali, ele
estava em meu coração.
_Ei amigo! Levante-se, o funeral passou. É preciso dizer
adeus àquele que se foi. É preciso marcar em sua lápide que todo fim é um
começo, que tudo é para sempre sim, que nos livros de história seremos a
memória. Vamos sorrir, vamos cantar, vamos relembrar os momentos com aquele que
se foi, vamos transformar esses momentos em uma luz eterna que brilhará pelas
noites escuras daquele que em outrora deixou o seu leito de morte para chorar
pela vida e rir dela mais uma vez.
Uma aurora anunciava o nascimento de mais um dia, e lá
estava ele de braços abertos para abraçar a vida, porque ela não é para ser
compreendida e sim vivida. E lá estava ele correndo pelas nuvens, fazendo
melodias com a chuva, teatro com Sol, esgotando-se em mais uma vida, em mais
uma vida eterna.
_Ei amigo! Vem, vamos embora. Eu levantar-te-ei, seque suas
lágrimas, abra um sorriso, e admire o sol nascente, a água corrente, a flor que
nasce, e a lua que lhe aguarda no final da tarde. Essa é a vida, então vamos
esgotá-la, vamos vive-la.
Uma rosa foi deixada
ao lado da lápide daquele que se foi, e lá estava escrito:
É preciso rir da vida
É preciso rir da morte
A vida só merece ser vivida se ela for esgotada em um só
momento
É preciso ter péssima memória, porque “a vantagem de ter
péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se
fosse a primeira vez”.
Dedico esse texto a
todos que perderam pessoas queridas cedo demais!
Raphael Ferreira Lopez 13/03/2013
Raphael Ferreira Lopez 13/03/2013
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