quarta-feira, 6 de março de 2013

Tempo de pássaro


“E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.” Friedrich Nietzsche.

Lá estava ele, aquele garoto que um dia ouviu de seu pai: “você tornar-se-á um homem um dia”. Seguia a vida discreta, sem perceber muito o que o rodeava, sem perceber que o que ele dizia que era seu não o pertencia, nada o pertencia, apenas ele mesmo.  Até que um dia parou, olhou a sua volta, sentiu a chuva cair em seu corpo, sentiu a lua brilhar em seus olhos, sentiu o vento por seus ouvidos... Já era um homem... Lembrou-se  daquele velho pai, aquele velho pai que ficava sentado no alpendre  fumando seu cigarro ao lado de seu filho. Entre uma tragada e outra ele dizia algumas palavras: “é preciso esperar a chuva para nascer, e ter paciência para que chegue o dia da colheita”.
Aquele momento estava acontecendo novamente, estava ali, mais vivo, mais nítido. Seu pai estava sentado, fumando seu cigarro, e observado os pássaros, como sempre fazia:
_O tempo é pássaro
O tempo é flor
O tempo é vento
O tempo é nada além de dor
O tempo me foge as mãos, porque crê no tempo?
Não há nada para esperar, não há nada pra atingir... Esperamos demais
Esperamos o sol nascer para trás.
Ouviu subitamente aquilo emanar da boca de seu pai. A felicidade corria por suas veias, adentrava seu coração e como explosão jorrava de volta para seu corpo. Ele estava vivo, ele estava vivo dentro dele. Aquele momento era eterno, enquanto ele vivesse aquele momento se repetiria eternamente pelo universo, tudo se repete eternamente pelo universo.
O velho levantou-se, apagou seu cigarro, olhou para seu filho e o abraçou:
_ filho, um dia você tornar-se-á um homem, herdará todo o legado da miséria humana, mas não se esqueça, jamais, de que é preciso esperar a chuva para nascer, e ter paciência para que chegue o dia da colheita. Deus lhe deu asas, e se ele lhe deu asas é porque quer vê-lo voar, aperfeiçoar seu voo, e voar através dos tempos, pelos confins do universo até perder de vista tudo que lhe é comum. Você precisa ser, porque nada lhe pertence, apenas você mesmo. "Daquilo que sabes conhecer e medir, é preciso que te despeças, pelo menos por um tempo. Somente depois de teres deixado a cidade, verás a que altura suas torres se elevam acima das casas”. Por que são tempos difíceis para os sonhadores, mas não há, e nunca haverá tempos melhores do que o agora para sonhar.
Aquele já velho pai levantou-se, pegou seus instrumentos de trabalho e foi arar a terra, preparar um novo solo, para um novo plantio.
Lá estava ele, aquele que em outrora era garoto, aquele que em outrora não percebia muito o que o rodeava, aquele que em outrora viu seu pai viver um dia de cada vez. Ele era um homem, e havia herdado realmente a miséria humana. Havia herdado, mas não a tinha em seu coração, porque aspirava primeiramente pertencer a si mesmo. Queria voar, e explodir, virar pó, e como a chuva, compartilhar com cada mero mortal aquilo que ele havia trazido de cima. Sabia que o tempo não existia, era apenas uma ilusão.
Correu pela cidade toda gritando loucamente:
_ “Nada vos pertence mais que os sonhos vossos!”.
O tempo é pássaro
O tempo é flor
O tempo é vento
O tempo é nada além de dor
O tempo me foge as mãos, porque crê no tempo?
Não há nada para esperar, não há nada pra atingir... Esperamos demais
Esperamos o sol nascer para trás.

Raphael Ferreira Lopez 06/03/2013

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